quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Gato Mágico - 2007

O Gato Mágico
Por: Bárbara Ramos
Na Vila da Memória, morava uma pequena família: D. Sulamita e seus dois filhos, Belita com 7 anos de idade e Carlinhos com 5 anos.
D. Sulamita se tornou uma mulher muito amargurada depois que seu marido não mais voltou para a casa. O Sr. Carlos era caixeiro viajante, e numa de suas viagens ficou por aí, em algum lugar do mundo. Durante muito tempo ela ia para a beira da estrada e esperava por horas e horas à fio... Até que um dia fez-se claro dentro de si aquilo o que mais temia, e conclui: “Ele não voltará mais!”.
Durante a semana D. Sulamita lavava roupa “para fora”, e nos fins de semana fazia bolos e tortas para vender. Batalhava muito para sustentar a casa e os filhos, pois agora estava sozinha! Toda a vizinhança comentava:
- Quanta vergonha! Deus que me livre!
- D. Sulamita? Mulher tão boa que nem o marido quis...
Gente maledicente! ...
Carlinhos era um garoto tímido, sonhador e ficava sempre pelos cantinhos.
Já Belita era menina arteira. Na escola era indesejada pelas professoras e coleguinhas, sempre ouviam-se gritos:
- Pára com isso!!!
- Não mexa naquilo!!!
- Saia de perto de mim menina chata. Você nem tem pai!
E um sentimento perigoso tomava conta daquele coração: era a raiva! Em casa também não era bem aventurada. Chegava da escola e ia correndo ficar ao lado da mãe. Prendia os cabelos compridos, arregaçava as mangas e repetia os gestos da mãe ao lavar as roupas; até os gritos ecoarem pela casa:
- O que está fazendo? Já não me bastam as roupas que tenho para lavar?
- Quero ajudar a senhora, faço com muito gosto mamãe!
- Não pedi sua ajuda, vá brincar e me deixe trabalhar sozinha!
Sentia o coração apertado, sem-graça entrelaçava o dedinho entre as fitas do vestido e ia embora. “Vou assistir os garotos brincarem na rua. Podem até me proibir de brincar com eles, mas não podem me proibir de assisti-los.” – pensava. Sentava na calçada e assistia a vida acontecer.
Um dia, os garotos se esbaldavam na rua numa brincadeira um tanto cruel. Com estilingues nas mãos, apostavam quem conseguia acertar o maior número de pássaros, e acabaram acertando também uma vidraça. A vizinha, enfurecida, esbravejou.
- Infeeeeeeeeeeeerrrrrrrrrrrrrrrrno, sumam daqui demônios!
O grupo logo se dispersou em meio gargalhadas e muita folia. Belita ria de longe da bagunça dos garotos, e viu no chão um objeto. Levantou de súbito, observou se a vizinha não estava mais lá, se aproximou... era o estilingue de um dos garotos que fora deixado para trás. Rapidamente colocou-o embaixo do casaco e voltou correndo para a casa. Entrou no quarto, fechou a porta, pegou o objeto... e olhou, contemplou, o sentiu em suas mãos e pensou: “Hum! Vou experimentar!”. Foi para o campo que ficava um pouco mais distante da Vila. Ao chegar, respirou fundo e os olhos procuravam como um animal em busca da presa. Errou o primeiro passarinho, o segundo, o terceiro... e no quarto pássaro... TUM! A mira foi certeira. Correu com ânsia para admirar seu feito, viu o pássaro agonizar no chão.
- Bicho imbecil! Se tem asas para voar, por que não foge de minhas pedras?
Tomou gosto pela coisa. A partir daí os animais padeceram nas mãos de Belita. Quando não eram os pássaros; gatos e cachorros corriam aflitos com latas amarradas em seus rabos. E a menina pensava que se divertia com isso.
Em uma tarde, ao passar por uma das ruelas da vila à procura de suas vítimas deparou-se com um lindo gato negro, de olhos verdes e arregalados, seu pêlo tinha um brilho encantador, era gato bem tratado!
- Eeeeeei, você é novo por aqui!
O bicho chamou a atenção da menina pela sua beleza, e mesmo porque não era comum ver gatos pretos por ali, as pessoas eram muito supersticiosas. 
“Nenhum animal passa por essa vila sem levar minha marca!” – pensou. Se aproximou docilmente...
- Shuí, shuí, shuí, shuí... venha cá bichano, quero brincar com você!
O gato olhava para Belita como se a “namorasse” e miava...
- Miaaaaaaaaaaaaauuu.
Ela chegava perto e ele saía, ela se aproximava e ele saía, assim ela o foi seguindo. Quando deu por si estava em uma mata fechada! Olhou ao redor...
- Onde estou? Não conheço este lugar. Para onde você me trouxe gato safado?
Sentiu raiva do bicho e começou a correr atrás dele, mas não conseguia pegá-lo. Sua raiva aumentava.
- Gato safado, vou colocar fogo no seu rabo!
E o gato corria e Belita corria atrás dele. Ficaram horas nesse pega-não-pega, até que em determinado momento, Belita já ofegante, ficaram frente à frente, olharam-se nos olhos e ...
FFFFFFSSSSSSSSSSXXXXXXXX
O gato virou fumaça na frente da menina! Uma fumaça multicor, azul, amarelo, lilás, vermelho, laranja, verde... e tinha cheiro de flores! A menina se assustou, pois nunca vira nada igual.
- Uuuuuuuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!!!!
O medo tomou conta do seu corpo, ficou paralisada com os olhos estatelados!
- Romromromrom.... Olá Belita!
- Aaaahhhhh, quem é você?
- Ggggrrrrr... sou sua imaginação, até então adormecida....miauuuuurrrrrr.
- Minha imaginação??? Mas gatos não falam!
- E quem disse que não? Não estou a falar com você? Rrrrr. Meu nome é Rudá, e vim lhe ajudar a enxergar o que há de verdade dentro de você Belita, numa linguagem Universal... Miaaaauuuuu.
- Linguagem Universal??? Do quê está falando?
- Estou falando do que há em tudo e em todos... romromrom. Muitas vezes, minha pequena, deixamos adormecer dentro de nós a essência da vida. Cada um de nós a faz dormir por motivos diferentes... seja pelo ritmo árduo do tempo, pela solidão, pelo desafeto ou pela apatia... Olhe ao seu redor pequena, sinta a vibração que há no mundo e em todas as coisas que nele estão, sinta suas cores, formas, texturas, gestos, palavras, aromas e profundidade de tudo o que existe. Viver não é apenas passar pela vida... deixe que ela penetre pelos seus poros e toque o seu coração.
Belita se sentia enfeitiçada pelas palavras de Rudá... seus olhos tinham um brilho diferente... O gato, muito dengoso, e sempre a ronronar se entrelaçou nas canelas da garota, e naquele exato momento Belita sentia uma energia indescritível tomar conta de si, e não era só de seu corpo... Belita sentiu que tinha alma! Um filme passava na tela de sua mente, era o filme da vida, e ela sentiu a força do perdão, da renúncia, da beleza, da leveza e sentiu... sentiu o AMOR! E não se importava se as pessoas não a amassem porque ela era capaz de amar... e simplesmente amar! As lágrimas escorreram de sua face e fertilizaram seu coração.
- Rudá!!!! Eu posso amar?????!!!!!!
- Gggrrrrrr... sim minha querida, todos nós podemos!
Olharam-se e despediram-se com o silêncio. Belita saiu correndo para voltar para casa, não sabia que caminho percorria, mas corria, corria, e sentia que tinha asas e que podia voar!
Encontrou o caminho da Vila e chegou em casa, entrou feito louca e agarrou as pernas da mãe.
- Mamãe eu a amo tanto que não me importo o que sinta por mim. Eu te amo mamãe!
Ao abraço forte da menina, como uma transfusão, D. Sulamita sentiu algo percorrer pelo corpo, e não era seu sangue... era AMOR. Abraçou a filha e chorou! Chorava de felicidade, sentia paz depois de tantos anos de amargura. As palavras saíram de seu coração...
- Me perdoe minha filha! Eu também amo vocês!
Carlinhos chegou assustado e viu a cena que nunca mais sairia de sua lembrança... sorriu como nunca havia feito antes, e se atirou no meio das duas, que deram boas gargalhadas com espontaneidade do piquirruxo.
Aquela vibração se espalhou pela Vila, e da Vila passou para as cidades vizinhas, que passou para os Estados, para os Países... e tomou conta de todo o mundo! De todo o Universo!
As pessoas passaram a amar umas as outras, independentemente de serem ou não da mesma família, pois o AMOR não tem parentesco. As pessoas aprenderam a se desfazer de suas “miudezas”. Tudo era intenso, verdadeiro e grandioso.
As tortas de D. Sulamita ficaram muito mais gostosas, a energia das mãos passada para o alimento alimentava o coração das pessoas.
E o Mundo num suspiro de alívio... conseguiu sorrir!
Todas as noites, Belita olhava pela janela de seu quarto e procurava por Rudá: “Se queres me encontrar olhe para dentro de si pequena... gggrrrrr”.
Belita sorria e sua imaginação permitia que visse o gato arteiro brincar dentro da Lua. Conversavam sobre tudo por horas e horas...
- Rudá, por que você tem esse nome?
- De onde venho sou a Divindade do Amor, Belita!
- E de onde você vem?
- Isso... já é outra história pequena... romromromromr....
Belita aprendeu a ser amiga do Tempo...
- Boa noite Rudá!
- Boa noite Belita, durma com anjos... miaaauuuuurrrrrr.

E para quem não acredita nessa estória...
Eu sugiro então, que deixe a fantasia
Transbordar de seu coração.

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