segunda-feira, 17 de novembro de 2008

EuSCOMBROS



Eu feia
Eu confusa
Eu com culpa
Eu traíra
Eu mentira
Eu caráter
Eu caminho
Eu vergonha

Eu e a máscara

Eu fedida
Eu deformada
Eu amarga

Eu fiz mágoa

Eu prendo
Eu escondo
Nem sempre tento, entretanto
me disponho

Eu em medo
Quando a dor
Escolho a fulga
Eu me agrido
Eu egoísmo
Sinto culpa

Eu com saudade
Eu renego e me cego

Eu comida
Eu corroída
Eu gozada
Eu cagada
Eu com raiva

Eu e o outro
Eu e outro
O outro em mim e eu no outro

Eu e a Realidade
Eu em crueldade?
Não, não quero habitar a maldade...

Barulho e escombros...
E no caos do meu eu, me reconstruo e me encontro.

2004 - modificado em 2018

Vênus

Henri Pierre Picou, século 19


O espelho me mostra Vênus
Meu rosto na pintura
Vênus em mim.

Um buraco abriu-se
em meu estômago
Algo que me suga
de fora para dentro
E dissolve o sentido, a imagem
e o sonho.

BR - 2004

Tem Dias

Eu hoje, acordei num deserto
e se aproxima uma tempestade de areia.
Pode ser que o tempo mude...
Pode ser que a tempestade
esteja somente em mim.

O sol queima minha pele.
Não há óculos escuros e
minha visão se reduz à metade.
O sal de meu corpo
incomoda e fere.
A água que ainda há
não consegue saciar minha garganta árida...
e nem fertilizar meu coração.

Meus lábios rachados
apresentam um sorriso amarelo.
Os reflexos se confundem.
O amarelão do deserto
e o amarelar dos meus gestos.

Algumas lágrimas, insanamente,
atiram-se ao chão.

Mais insano é àquele que as prolifera!

E não é só deserto da visão.
É deserto da audição.
Nada se ouve, nada manifesta-se.

Continuo sentada na inércia escaldante
Aguardando as ondas do mar.

09/09/2005

    Foto: Galyna Andrushko / Shutterstock.com

Mundana

Dê-me o ódio
e dele farei teu veneno

Dê-me o desequilíbrio
e dele farei tua constante

Dê-me teu som
e dele farei silêncio

Mostre-me teu caráter
e dele tecerei tuas vestes
Mostre-me teu egoísmo
e dele farei tuas amarras
Mostre-me teu medo
e farejarei teus vícios

Quebre tuas máscaras
e te darei um espelho.

Olhe em meus olhos
e te mostrarei minha ausência

Dilacere minha carne e terás meu sangue
Mas apenas isto!
Faça em mim feridas e cicatrizes
Mas nunca terás minha alma
Jamais contaminarás minha essência.

21/11/2006

Pagã


Corria pelo corredor de espelhos
E fugia de sua verdade

Sacrificava sua natureza
Em oferenda ao Deus da Razão

Dançava em círculos
Na continuidade da insanidade

Explicitou sua nudez
Seu avesso e movimento

Na dança dos círculos
A tentativa de curar suas doenças.


18/06/2007

Lugar Distante

Era uma estrada de chão,
poeira fina e macia.
Caminhava sempre pensando nas marcas
deixadas na estreita estrada.

Andava e não sabia onde estava indo.
Ao seu redor o verde silêncio envolvia-o.

E ele, se envolvia na noite escura...

Sentia os pés e as mãos gelados...
e os olhos transbordavam.
As lágrimas quentes incendiavam sua face.

Caminhava e não estava só.
Acompanhado de sua bela senhora, a Loucura.

Ele se envolvia na noite escura.

Continuaram andando rumo ao lugar distante.
Onde o fim da estrada é seu início.

18/06/2007

Roseira no Quintal

Pequena menina, em seu vestidinho e gestos infantis.
Que espera ansiosa por não sabe o quê... espera crescer?

Sentada no chão, contempla a roseira que lhe parece infinita.
Os galhos se confundem no céu e seus vazios, são pontos de luz.

A menina quer ser rosa amarela. Quer ser roseira.
A menina quer luz... quer tocar o céu.

Mas é apenas uma menina, tão pequenina perto da roseira.
É apenas um feixe que se forma, nos vazios de luz.